quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Crônicas de um Médico de Família: A parábola do cortador de cana

Havia numa certa região, um dono de canavial que estava contratando cortadores de cana. Esse homem conhecia bem suas terras e sabia que nem todas as partes eram iguais. Umas áreas eram ralas e a cana fina, outras eram densas e a cana grossa. Então, com alguma experiência que tinha, selecionou os cortadores conforme seu perfil e experiência, sem muitas perguntas. Ao final do dia cada cortador ganharia em troca de seu de trabalho uma moeda. E lá se foram os cortadores e seus facões afiados trabalhar o canavial.

O sol castigava a todos igualmente, mas logo ficou claro que uns suavam menos e outros mais pelo seu pagamento.

Com o tempo, alguns dos homens cansaram daquela vida, que não era fácil mesmo, e foram embora tentar aprender outro ofício na capital. Uns, para aliviar as dores e o cansaço, davam um jeito de deitar à sombra quando não havia ninguém olhando.

Também haviam aqueles que não desistiam facilmente da cana grossa. Não, esses eram os fortes e valentes que aceitaram o desafio e acreditavam que no final da lavoura teriam recebido além do salário, força e experiência.

E iam eles cortando cana. Todo dia cortando cana. Grossa, fina, densa, rala, até calejar as mãos e o facão perder o fio. Às vezes levavam até mordida de cobra, rato, aranha.

Para alguns desses valentes cortadores que aceitaram cortar a cana grossa chegou o ponto do facão estar tão sem fio que não adiantava mais dar com o facão na cana que só lhe trazia dor e cansaço e o trabalho pouco rendia. Os companheiros da cana fina ainda tinham fio nos seus facões e energia para o trabalho....



Às vezes, por maior que seja a vontade de trabalhar, por maior que seja o amor pelo trabalho, a coragem e a experiência, chega um momento que se o nosso facão perdeu o fio, não adianta continuar batendo na cana, tem que parar, afiar o facão renovar o sentimento que nos motivou a cortar cana no princípio e só depois desse processo voltar para o canavial.

Para uns isso leva um final de semana, umas férias, uma viagem. Mas para outros o processo é bem mais complexo e doloroso e exige , oração, paciência, amor, apoio, motivação, aconselhamento, sol, sono tranquilo, comida boa, risadas, concentração, distração, e sobretudo, tempo...

"Tudo tem seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu: Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; Tempo de matar e tempo de curar...porque há um tempo para todo o intento e para toda a obra... Melhor é uma mão cheia com descanso do que ambas as mãos cheias com trabalho e aflição de espírito. " (Ecl. 3:1-3, 17 e 4:6)




foto: C. Abbott

Um comentário:

Daniel Caron disse...

Prima, você se expressa em textos ótimos. Talvez essa sua arte sirva como uma espécie de refúgio, de salvaguarda para o espírito diante da maneira rude que às vezes a vida nos trata. Mas como você eu acredito que em tudo há uma lição.

Abraço na família! Espero que tenham gostado das fotos.